Em 2022
encerrei uma saga de mais de 15 anos trabalhando em hospitais, e desses,
quase 11 foram ligados a telefonia.
Uma profissão que
está sendo extinta desde os anos 90 mas que ainda está por aí, dando emprego
para muito deficiente visual.
Eita bichinho
ruim de morrer esse né!
Nesse texto quero
abordar com vocês a experiência que tive implementando a acessibilidade digital
em um setor desses.
As ferramentas
utilizadas para adequar a acessibilidade a realidade da entidade.
As
ferramentas atuais e também a sombra desse fim apocalítico de uma profissão, o
tipo de pensamento que impede a pessoa de pensar no assunto, afinal de contas
quem quer perder tempo com uma profissão que está sendo extinta, não é mesmo?
Vamos hoje
falar um pouco sobre esses erros e acertos que perneiam essa nobre profissão a
qual tanto carinho eu tenho.
Uma profissão
que me mostrou muito sobre tecnologia, acessibilidade e pessoas, principalmente
pessoas.
Início
Em 2010 um
amigo com deficiência visual foi contratado para atuar como telefonista em um
importante hospital da região metropolitana de porto alegre.
Eles já haviam
contratado outro rapaz alguns dias antes mas faltava o leitor de telas e
algumas dicas de instalação e uso.
E foi aí que
eu entrei.
Esse amigo
então me pediu uma força e fiz um cd contendo o nvda e um leiam-me repleto de
notas e dicas para deixar o leitor em ponto de bala para trabalhar.
Os
gestores gostaram do nosso empenho e então fui convidado a também atuar com
eles e resolvi aproveitar a oportunidade que se abria, eu fazia recolhimento de
resíduos hospitalar em um outro hospital perto de casa, trabalhava a noite e seguramente
ganhava quase o dobro do que ganhavam os amigos daquela telefonia, sem falar
que o hospital deles era em uma outra cidade, consideravelmente longe de onde
eu morava.
Em um bom dia
se poderia chegar no trampo depois de pouco mais de uma hora e meia andando de
onibos e trem.
Ainda assim, sendo
mais longe e ganhando menos, preferi trabalhar com os caras.
Achei a
oportunidade desafiadora, até por que com recolhimento de resíduos não dá pra se
usar leitor de telas né?
Se bem que eu
gostava de recolher os filmes de raio x da Kodak.
Era Bacana mesmo.
Tínhamos
uma máquina com Windows 7 e 512 mb de memória RAM.
512 mega
bytes cara!
Ainda assim a
máquina dava conta do recado, com tudo cem por cento licenciado, o software
de boa procedência ajudava a compensar o hardware fraco.
Foi assim que comecei a questionar esses programinhas de procedência duvidosa que infestavam minhas maquinas.
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Agora some
isso ao trabalho que modestamente fiz de manutenção de sistema, e você não vai
se espantar ao saber que trabalhamos com esse computador até o ano de 2015, ano
em que fomos todos promovidos e transferidos para um hospital maior.
Entre 2010 e
2015 nossa máquina nunca foi para o reparo na t i, até então a equipe era bem
pequena, e geral costumava fazer certinho o que eu pedia, éramos todos
ocupantes do mesmo cargo. Mas eu cuidava legal do PC, dava alguns toques para
os colegas, que seguiam de boa, e dava até pra curtir um “conteudinho diferente”
nos plantões de fim de semana.
Sabe
como é né. Ninguém é de ferro.
Para o caso de
você estar se perguntando, não, não havia nenhuma voz craqueada no CD para se
usar com o NVDA.
Não se pode
fazer um CD com esse tipo de coisa para uma empresa né gente?
Em 2010 já
haviam boas opções de voz mas por não haver a possibilidade de compra e nem
crack, tivemos mesmo foi que nos virar com o eSpeak, e isso na verdade foi
libertador.
Aprendizado
Como eu ia
dizendo, foi em uma máquina de 512 mega de RAM que comecei realmente a aprender
sobre qualidade de software e uso profissional da informática.
Essa mesma
máquina me mostrou como o nosso gosto pode ser um tanto quanto limitador na
hora de reconhecer a real qualidade das coisas.
É como se você
na adolescência só curtisse polca até que um dia você se abriu para novas
experiências e passou a curtir muito valsa, a ponto de não intender como pode
ter curtido polca um dia, ou como pode ter passado tanto tempo sem valsa na
vida.
Sacou?
Só estou usando
esses gêneros musicais mais antigos por que não quero problema com ninguém que
curta coisas mais recentes.
Só falta agora
aparecer um reiter de polca nos comentários.
A i eu
desisto.
Durante muito
tempo vários de nós deixamos de usar o eSpeak por razoes estéticas e nos
esquecemos de nos ater a qualidade e desempenho de sua locução.
A destreza
desse mecanismo com o NVDA naquela maquina era surpreendentemente satisfatória
a ponto de me fazer questionar o que fazia uma máquina muito mais fraca que a
minha ter um desempenho assim tão bom.
Como vocês já podem
perceber, a questão profissional do licenciamento de software também foi
muito forte para a pressão a se ter uma conduta mais ética no uso de programas.
Ao ser
obrigado a não poder instalar qualquer coisa na máquina dos meus empregadores,
fui obrigado a pensar e a procurar alternativas, e com isso, aos poucos fui
deixando de instalar qualquer coisa nas minhas maquinas também.
Bacana
isso né?
Com o tempo
passei a prestar atenção no comportamento de quem já trabalhava com isso na
época, passei a olhar para quem dava suporte, fazia reparos e até ensinava
informática com uma perspectiva diferente.
Passei a
perceber as falhas de segurança e de ética deles, principalmente quando fui me
aprofundando nas questões ligadas a software livre e opensource.
E quando
também percebi as limitações de gosto gerando preconceitos, dai larguei vários
deles de mão.
Agenda
Voltando a
telefonia, houve a necessidade de se criar uma boa agenda de consulta que
pudesse ser acessada pelos colegas do time das deficiências visuais, como
a compra de software estava fora de cogitação e a maquina era fraca, a solução
foi trabalhar essa questão de agendas usando o bom e velho esquema de pastas e
blocos de notas.
A partir daí
essa agenda passou a ser alimentada de dados e virou uma grande agenda.
Você deve
estar se perguntando, porque uma agenda assim nesses termos se já existia o Google?
Bem, vamos
dizer que o Google em 2010 não era tão porrada assim, além do mais, o acesso a
rede era um tanto quanto complicada.
Contudo, ainda
em 2022 a agenda era utilizada e ainda era muito rica, foram mais de 10 anos
alimentando ela com dados internos de vários contatos que, a propósito,
não se poderia encontrar no Google.
Perceberam a
importância do trabalho humano na coleta, inserção e aproveitamento de dados?
Que potencial
desperdiçado não é mesmo?
Pedidos de ligações
Não se tinha
um software para gerir as ligações, bem na verdade havia um mas ele não era
acessível.
Quem não tinha
deficiência visual, poderia por exemplo, visualizar na tela se um ramal estava
ou não ocupado, quando estava, o ramal ficava vermelho.
Muito bacana,
uma pena mesmo não ser acessível.
Íamos na base
da tentativa e erro mesmo, e tudo fluía muito bem, até que houve a necessidade
de se criar uma forma de se registrar as ligações que eram pedidas pelos outros setores e
feitas por nós.
Assim surgiu o
“pedido de ligações”, uma tabela gerada no word 2003 para registrar esses
dados.
Novamente tive
que pensar em uma solução que levasse em conta nossa máquina e as possibilidades
de custo zero, assim, como o sistema tinha essa versão do office instalada,
fiquei uma tarde bolando uma forma de criar algo respeitável para ser acessado
pela direção, mas que fosse também, legível e fácil de operar pelos colegas.
Depois que
criei o primeiro modelo, ensinei cada colega a preencher a tabela e em uma
questão de horas, já estávamos lançando esses novos dados.
A tabela
possuía os seguintes campos:
Nome do
solicitante, nome de quem estava pedindo a ligação.
Ramal, o ramal
do setor de quem estava solicitando.
Numero, o
numero solicitado.
Atendente, o
nome do profissional que fez a ligação e preencheu esses dados.
Nesse campo do
atendente também ia a hora do atendimento.
Este recurso
de controle de ligações também durou até 2015, após esse período todas
essas boas práticas foram se perdendo, e por inúmeros fatores que estavam acima
de nós.
Como vocês
devem saber, é atribuição de uma telefonia dispor sobre a conta telefônica, gerando relatórios, fornecendo dados, atuando através das boas práticas
da telefonia para a diminuição de custos do setor, ocorre que a última vez que
fomos apresentados a esses dados foi em uma reunião no fim de 2013.
Agora, como falar de telefonia e VoIP, de telefonia online e remota, se não se tinha mais espaço para isto?
O caos estava tomando conta do setor e falar sobre a evolução do PABX estava fora de cogitação.
Desenvolvo um
pouco isso no vídeo , não esqueçam de acompanhar , é importante.
Epilogo
Vivemos todos
nós um drama na aria, um drama que se iniciou, vejam vocês, com nossa promoção
em 2015 , tudo parecia ir bem, e foi, fomos para um hospital maior, com mais
infra instrutura, uma nova gestão.
A aria de
saúde viveria uma turbulência terrível cujo episódio se encerraria com a
demissão de muitos de nós e o não recebimento dos direitos de todos, tanto dos
demitidos, quanto dos que ficaram.
Uma tragédia
que dura até os dias de hoje porém, novos ventos sopraram e hoje estou feliz
atuando no setor de transportes.
E estou trazendo
mais acessibilidade e inclusão pra cá, pois veio comigo toda essa bagagem
da saúde junto.
Nosso início
de trajetória foi marcado por gestores que estavam muito focados em fazer
aquela precariedade toda dar certo, e ainda por cima, interessados em promover
a inclusão através de nós, e eles conseguiram , hoje olho para o que foi feito
e para a experiência que tive e me sinto muito grato.
Grato
pelas pessoas que conheci, pelas coisas que aprendi e por ter sustentado minha
filha durante todos esses anos atuando nesses 3 hospitais.
No vídeo que se seque, sustendo que a telefonia não está
morta, acompanhe a tese a seguir e fique a vontade para deixar sua contribuição
respeitosa a mais esse ponto que levanto aqui no TTS.
Como todos os meus ex colegas, ainda não recebi meus direitos por todo aquele tempo que trabalhei lá, mas sigo fazendo direito e ainda melhor tudo que lá aprendi.
Uma hora a verba vem e aí a gente encerra de vez esse ciclo.
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