Há alguns dias atrás vi algumas postagens para cursos que chamaram a minha atenção.
Se tratavam de cursos de informática para pessoas com deficiências visuais ministrados por associações, entidades e afins.
Até aí tudo bem, sem novidade, afinal de contas, é esse setor que costuma dar conta dessa demanda.
O que realmente me incomodou e que já me incomoda na verdade há muito tempo, foram e são os critérios.
Pré requisitos mínimos que são exigidos do candidato para que ele possa estar hapto a fazer o curso.
Filtros que podem dizer muito a respeito de quem os está propondo e de como essas pessoas vêm pensando a questão da qualificação dos Cegos e demais pessoas com deficiências visuais na rede.
Filtros que podem dizer muito a respeito de quem os está propondo e de como essas pessoas vêm pensando a questão da qualificação dos Cegos e demais pessoas com deficiências visuais na rede.
O que pode estar por trás de cada um desses critérios?
Até que ponto é o aluno e sua realidade que está sendo levado em conta?
Os cursos formam profissionais éticos ou clientes de um produto em específico?
Para seguirmos é fundamental que eu apresente alguns desses critérios para uma melhor reflexão sobre o caso.
Vamos a eles então:
1 Ser pessoa com deficiência visual.
2 Perfil sócio-econômico.
3 Ter computador com Windows instalado.
4 Conexão a Internet.
O primeiro critério é o de ser pessoa com deficiência visual.
Sim exatamente.
Estamos em 2022 e ainda precisamos recorrer às entidades em busca de uma qualificação que a sociedade ainda não consegue nos dar.
E ainda bem que temos as entidades, dando conta de uma demanda que o Estado e a iniciativa privada ainda não sabem bem como atender.
Escolas específicas para pcds são coisa do passado mas sertas entidades ainda precisam continuar seu trabalho visto a total incapacidade da sossiedade em muitos pontos.
Hoje existem até algumas multinacionais investindo em capacitação de pcds, sem dúvidas, bons exemplos mas que ainda estão longe de suprir toda uma demanda, até porque muitas dessas capacitações são direcionadas, o que muitas vezes acaba também filtrando a seu jeito os candidatos.
O outro critério comum as postagens foi o sócio-econômico, um critério que deixa bem claro o público alvo do projeto, qual seja, uma pessoa com deficiência visual E que esteja em uma situação de fragilidade Econômica.
Algo que também é muito justo visto a total falta de projetos para atender com dignidade a parte mais pobre do Brasil, imagine então a parte que além de pobre também é PCD?
O único problema com essa abordagem está no fato de que os cegos que podem pagar nem sempre são atendidos pela iniciativa privada em suas necessidades.
Uma prova de que a luta por inclusão transcende essa coisa de classe social, ainda assim, politicas para pessoas com deficiências e pobres como eu, são fundamentais dada as limitações impostas pelas barreiras econômicas.
Percebam que até esse momento o que nós fizemos foi descriminar.
É o que se chama vulgarmente por aí de , discriminação do bem.
Quer dizer, você escolhe atender um público ao qual a sociedade não consegue e escolhe atender há uma determinada classe social porque os planos econômicos não as contemplam.
Em suma, uma maneira de fazer chegar o conhecimento onde a sociedade falha, uma abordagem que deveria ser estratégica ao levar as ferramentas necessárias para dar ao cidadão mais autonomia para superar suas dificuldades e ser aproveitado e incluído na sociedade.
Agora o que dizer do terceiro e quarto critérios?
Como eles se encaixam com os dois primeiros?
A exigência de se ter um computador por si só já é complicada mas ela vai muito além disso, porque além de exigir o computador, os caras também exigem que ele tenha Windows.
E porque isso?
Porque o favorecimento específico a uma empresa especifica e a seu produto?
Porque na verdade o que essas instituições estão fazendo não é te dar um curso de informática.
Eles estão mesmo é te ensinando a usar o Windows.
E eles fazem isso porque a maioria deles também não aprendeu informática, a maioria deles também só aprendeu a usar o Windows.
Eu já vi Cegos ganharem PCS da família, parentes e comunidade, gente que se esforçava para comprar uma boa máquina usada para incluir seu filho, neto ou amigo no mundo digital.
Máquinas mais modestas, conquistadas a muito custo e que representavam muito mais que uma máquina, representavam uma chance.
Máquinas com pouco hardwere que acabavam sendo reprovadas pelo instrutor porque suas especificações não eram boas o suficiente para o Windows.
Sim exatamente isso e quantas veses eu mesmo me senti frustrado por acreditar nessa bobagem, talvez até você já tenha passado por isso, talvez você inclusive pense assim.
E sem refletir, a primeira lição dada pelo professor ao aluno era a de que não é com qualquer máquina que se pode aprender informática.
Uma lição que desencadeava primeiro um sentimento de frustração e que em seguida daria origem a todo um processo de condicionamento.
Aspectos que mais lá na frente também vão dar forma a vários comportamentos que, em função dos vícios de origem, vão levar o aluno sempre a uma condição de subserviência e isso para dizer o mínimo.
Ao afirmar que essa sua máquina não é boa para aprender, seu instrutor não vai estar sendo desonesto com você, afinal de contas, ele também não manja de informática, ele só sabe usar o Windows, e sistemas acessíveis com baixo grau de exigência de hardwere simplesmente não existem na vida dele.
Mas digamos que você arrange uma máquina de 4 Gb que atenda os pré requisitos do seu curso, legal né?
Só que não.
Tudo vai ir muito bem até que o aluno esbarre na a licença do Windows, uma licença que pode chegar fácil ao valor da máquina recém adquirida.
Depois vem a necessidade de se ter um pacote de escritório e você já sabe onde isso vai parar.
Quando menos se espera o aluno aparece com um pen-drive rechiado de software pirata, muitas veses fornecido inclusive pelo próprio instrutor.
Você aprende primeiro a piratear o Windows e depois todo e qualquer coisa que você queira usar com ele.
E depois você leva isso para seu celular, sua TV, sua luz, sua água, seus impostos e etc.
Gerações condicionadas desde cedo a ter esse tipo de comportamento.
Um comportamento motivado por frustração e subserviência.
Com o passar do tempo a maquina do aluno da defeito, e como ele é aluno, vai procurar por quem entupio seu pc de crack.
A maquina tá tão cheia de softwere pirata que nem da pra determinar ao certo o que deu errado e qual e a solução do instrutor?
Formatar.
E o aluno que já virou cliente, paga para o cara para formatar e encher seu pc de Software Pirata de novo.
Até que o aluno se cansa dessa dependência e aprende ele mesmo a ferrar sozinho com sua propria máquina.
Uma pessoa que passa horas a fio procurando um crack enquanto poderia estar aprendendo a programar ou qualquer outra coisa do genero.
E tudo isso porque nunca foi sobre informática, e sim, sobre ser dependente.
Sim dependente, porque mesmo com o aprendizado trazido pela prática do crack ele ainda segue dependente, não mais da instituição ou do professor mas agora das fabricantes, tanto que ele é capaz de tudo para utilizar os produtos delas, inclusive roubar.
Se fosse mesmo sobre informática o aluno aprenderia o que é um crack e que muitas vezes crakear é o mesmo quem invadir e hackear o seu próprio sistema, auto sabotagem.
Se fosse sobre informática o aluno aprenderia que o Windows é o sistema doméstico mais popular mas definitivamente não é o mais utilizado no mundo.
Se fosse sobre informática o aluno não teria bloqueios ou até mesmo preconceitos com outros sistemas operacionais.
Se fosse sobre informática básica o aluno aprenderia sobre as partes que dão forma ao harwere e ao softwere.
Se fosse sobre informática o aluno aprenderia que uma suíte de escritório é um conjunto de ferramentas e não um produto feito por uma única fabricante.
Tudo isso e muito mais se fosse um curso de informática mas como sustento, não é.
A pá de cau fica por conta do acesso à Internet como critério.
Eu sei que é bacana estar atento às novas tendências e que o Home Office é uma delas, mas transformar isso em exigência para uma turma pcd e com fragilidade Econômica é uma total falta de conexão com a própria realidade do publico ao qual se pretende ajudar.
Perceba como são critérios tão excludentes que só podem ter tido origem na total falta de planejamento ou falta mesmo de intenção de atingir o público alvo.
Você tem que ser pessoa com deficiência visual, ser pobre, ter computador, ter Windows e acesso à Internet, então tá né.
Um curso pra Cegos feito para inglês ver.
Um curso de informática para cegos pobres cujo efeito colateral é o de preservar o aluno na clandestinidade sendo subserviente a uma empresa e seu produto ao invés de ser um profundo conhecedor de hardwere e softwere.
Um profissional que pode inclusive estar dando consultoria em acessibilidade tendo como base todos esses condicionamentos aos quais ele aprendeu e que segue passando adiante.
Conclusão
Quero finalizar esse meu desabafo com algumas dicas para você que quer dar cursos para pcds.
Se o curso for online você pode ensinar informática básica utilizando qualquer sistema operacional e independente do hardwere que o aluno estiver utilizando.
Ele pode, com sua orientação, aprender sobre o hardwere e software de uma máquina e depois colocar ísso em prática em alguma escola, biblioteca pública ou até mesmo em máquinas de parentes e familiares.
Se o aluno não tiver nem hardwere e nem acesso à rede, grave suas aulas em alguma mídia a qual ele possa acompanhar.
São dicas bem básicas de quem pelo menos comessou a pensar no assunto antes de sair por aí falando em dar um curso de uma coisa quando na verdade está se ensinando outra.
Gostaria também de deixar uns toques para os alunos, não aceite de seu instrutor softwere de procedência duvidosa, estude muito sobre softwere livre e softwere open-source.
Se lá na frente você realmente quiser usar um softwere proprietário, confie em você e em sua capacidade de pagar por ele caso considere o preço justo.
Se não achar o preço justo, não prestigie o fabricante craquiando o produto para seguir usando, a melhor forma de diminuir uma injustiça não é a aumentando.
Por fim busque ser ético ao máximo possível e desde o início de sua carreira.
O mundo precisa de profissionais confiáveis.
Tem muita gente tentando romper com esse condicionamento misturado com dependência e panelinha.
Eu mesmo na verdade já tentei ensinar informática tendo como alicerce outras bases em sistemas operacionais mas nunca consegui romper essa barreira.
A parte mais difícil na hora de se superar um condicionamento é a mudança de paradigma, é muito difícil mudar uma mentalidade cujos vícios de origens são tão antigos e profundos.
Ainda assim, pensar fora da caixa é fundamental e estar aberto para tudo o mais que existe no mundo também.
Obrigado pela paciência de sempre e até a próxima.
Há!
Já ia me esquecendo, postei recentemente um vídeo no canal abordando esse assunto, ele segue abaixo para dar continuidade ao bom e cordial debate.
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