Decretos contra a inclusão e o que vem por aí
O presidente Donald Trump , assinou recentemente um decreto extinguindo as politicas de inclusão do governo dos EUA, e ainda sugeriu que a iniciativa privada fizesse o mesmo, ao que, a Meta e o McDonald's se lançaram como sendo a primeira e segunda empresas a atenderem esta triste recomendação.
A tese trampista é a de que todo o escopo de politicas ligadas a inclusão, não são nada mais que uma subversão da biologia natural, forçando o estado a lidar com temas que não levam em conta o mérito pois, para os defensores deste ponto de vista, as politicas de inclusão são formas de propagação de preconceito e descriminação, e que o mérito deveria ser o único filtro a ser utilizado.
Uma narrativa que, sem dúvida, subverte ela mesma os verdadeiros propósitos da inclusão, onde a própria acessibilidade cumpre um papel fundamental, qual seja, o de promover o acesso universal e pleno de todos os indivíduos em todas as esferas da sociedade.
Os trabalhos em torno da inclusão costumam ser mais lentos e muitas vezes os resultados demoram a aparecer, fato que frequentemente se dá em torno da complexidade dessas ações, que sempre envolvem a interação com diversos eixos da sociedade, e que demandam muito tempo, quer seja para eliminar as barreiras arquitetônicas, quer seja para eliminar as barreiras atitudinais, sendo esta última a mais delicada na maioria dos casos.
A luta por inclusão é um processo histórico, e como tal, se confunde com os movimentos políticos e sociais, mas não é e nem nunca foi pertencente a essa ou aquela ideologia, religião ou coisa parecida.
Mérito e inclusão.
Mas e o mérito Neimar, onde fica o mérito nesse papo todo?
Bem, o mérito neste caso não ficaria isolado, ou individualizado pois, até nessa hora a inclusão é uma vitoria coletiva, de todos os envolvidos e não uma ação individual de alguém que em algum momento obteve exito nessa ou naquela ária, nessa ou naquela condição, assim, quando atingimos a possibilidade de habilitar ou reabilitar uma pessoa com deficiência, incluindo ela na sociedade, é nesse momento em que os seus méritos pessoais vão aparecer, e mesmo nestes casos, a aparente vitoria individual desta pessoa não vai poder ser desassociada de toda a luta por inclusão que antecedeu seu exito.
Os esportistas sabem muito bem disso, que o momento individual da vitória sempre é precedido de um trabalho coletivo e que no fim e ao cabo, transforma aquela vitória em uma inundação de inúmeras pessoas que estão vencendo juntas, mas esse também é um momento de grande tomada de consciência e como vivemos em uma sociedade essencialmente individualista, nem todos os que vencem se lembram de toda a rede de apoio que precedeu sua vitória.
O exito pessoal certamente existe, mas seu oposto também, quando uma pessoa com deficiências, através dos trabalhos em torno da inclusão e acessibilidade, adentra uma empresa, estando ela em condições de se desenvolver como os demais funcionários e não oferecendo as devidas respostas a empresa, nada impede seu empregador de desligá-la pois, as leis de inclusão nunca obrigaram ninguém a ficar com funcionários incompetentes.
Em suma, o caráter competitivo baseado no mérito existe em nosso meio, mas o caráter colaborativo tem crucial importância e não pode se tornar refém das ideologias do momento.
A segunda grande guerra.
O século vinte foi crucial para a evolução do entendimento em torno das deficiências e suas possibilidades, um evento que foi fundamental nesse contexto foi a segunda guerra mundial, em cujos impactos de seu término podemos sentir até os dias de hoje, um desses efeitos se iniciou com a volta para a casa de vários soldados com algum tipo de deficiência após terem lutado nas trincheiras, um fato que sem duvidas gerou muita comoção, voltando a atenção de muitos seguimentos para um olhar mais humano a partir de toda aquela tragédia.
A associação dos veteranos de guerra tem tido desde então um papel fundamental na habilitação e reabilitação de pessoas com deficiências nos EUA e esteve junto dessas pessoas acompanhando as evoluções sociais ligadas a esse seguimento.
As leis de assistência e proteção das pessoas com deficiências na América foram ganhando robustez e são reconhecidamente fundamentais para continuar melhorando a sociedade atual, mas isso não significa que este seja um trabalho estático e nem tão pouco pronto.
Em 2024 a ADA (Lei dos Americanos com Deficiência),sofreu uma atualização muito importante, na qual a partir daquele ano corrente, passou a exigir que todos os governos estaduais e locais, com seus contratados terceirizados e fornecedores de software, começassem a cumprir os padrões WCAG 2.1 A/AA, o que sem dúvidas foi uma bela adição a lei,
Mas o que exatamente isso significa?
WCAG
Imagine que você precisa edificar uma obra qualquer e por mais que você não seja um engenheiro, você sabe que existem alguns passos importantes a serem dados antes mesmo de iniciar a construção, o planejamento, a execução e o término da ação são etapas repletas de muitos passos a serem dados, onde, o seguimento de algumas normas de segurança, padrões e cuidados adicionais, vão ser cruciais para o bom desenvolvimento do projeto, afinal de contas, você não quer edificar uma obra de qualquer jeito não é mesmo?
Assim como no mundo físico, no âmbito virtual existem alguns padrões que são garantidores de qualidade das coisas que construímos, um conjunto de normas e cuidados que vão assegurar que os usuários estarão em um ambiente seguro e é claro, com bons níveis de acessibilidade digital, até porquê, você não gostaria de excluir da sua base de possíveis clientes, as pessoas que por uma razão ou outra, sejam impedidas de acessar todos os serviços que você entrega, certo?
É notório que existem casos onde empresas, governos e até mesmos cidadãos comuns não querem mesmo atender a certos tipos de pessoas, uma vontade que como já sabemos, pode beirar o cometimento de crime em certas circunstancias, no entanto a grande maioria da sociedade organizada só precisa se adequar, uns pelo desejo genuíno de querer participar, outros por mera adequação legal mesmo.
Obviamente que muitos governos, empresas e pessoas em geral não gostariam de passar muito tempo se preocupando com esses detalhes e, por esta razão que existem setores que fazem este trabalho para a sociedade, um bom exemplo disso são as instituições que trabalham com pessoas com deficiências, uma necessidade ainda latente nos dias de hoje, visto que a sociedade como um todo, ainda não consegue dar respostas efetivas e eficientes para estas demandas, um outro exemplo são as enumeras consultorias espalhadas pelo mundo que atuam em captação e treinamento de profissionais com deficiências, passando pelas áreas testers em acessibilidade e etc.
Um conjunto bem amplo de diversos profissionais, com ou sem deficiências que atuam para qualificar os esforços em torno da inclusão e da acessibilidade, iniciativas que com o tempo também deram forma a todo um mercado de atuação, com clientes e prestadores de serviços espalhados por toda parte.
Existem diversas linhas de trabalho no tocante a acessibilidade digital ao redor do mundo e sem duvidas, a WCAG é uma dessas grandes iniciativas, a seguir, permita-me demonstrar o bom uso da inteligencia artificial, com o retorno de um prompt que dei no Gemine, me voltando um bom resumo do que vem a ser esta iniciativa e do quão ela é importante para todas as pessoas, independente de terem ou não deficiências.
Gemine:
A WCAG (Web Content Accessibility Guidelines) é um conjunto de
diretrizes internacionais que visam tornar a web mais acessível a
todos, incluindo pessoas com deficiência. Ela oferece recomendações
para criar sites e aplicativos que possam ser utilizados por qualquer
pessoa, independentemente de suas capacidades.
Por que a WCAG é
importante?
* Inclusão: Permite que mais pessoas acessem e
utilizem a internet.
* Legal: Em muitos países, a
acessibilidade na web é exigida por lei.
* Melhora da
experiência do usuário: Um site acessível é mais fácil de usar
para todos.
Principais pontos da WCAG:
* Perceptibilidade:
O conteúdo deve ser apresentado de forma que possa ser percebido
pelos usuários.
* Operabilidade: As interfaces devem ser
operáveis.
* Compreensibilidade: A informação e a interface
do usuário devem ser compreensíveis.
* Robustez: O conteúdo
deve ser interpretável por uma ampla variedade de agentes de
usuário, incluindo tecnologias assistivas.
Em resumo, a WCAG é
um guia essencial para desenvolvedores e designers que desejam criar
websites e aplicativos inclusivos. Ao seguir as diretrizes da WCAG,
você garante que seu conteúdo possa ser acessado e utilizado por
todas as pessoas.
Legal né?
Particularmente eu faria varias alterações neste texto, mas optei em colocá-lo na íntegra, justamente para mostrar que por mais que a IA seja bacana, ela não poderia substituir um texto autoral, e isto inclui os meus, com todos os meus erros e eventuais acertos.
O que também quero mostrar com isto, é que por mais que a tecnologia nos ajude, e ela nos ajuda muito, substituir e excluir não é bacana, bonito mesmo é incluir.
Direito e legalidade.
Lembra do meu exemplo sobre a tal obra?
Imagine agora que o local escolhido para essa edificação fosse uma área de risco, onde a sua liberdade individual entrasse em conflito com os interesses da coletividade.
Seria importante que houvesse um árbitro para mediar este conflito e extrair daí a decisão mais justa e levando o mínimo de prejuízo possível para ambas as partes, pois bem, é esse o papel do estado moderno, um papel que por si só já passou por inúmeros processos históricos, um processo dinâmico que nuca para de acontecer, nem com os estados, nem com nada.
É inegável que em todos os aspectos deste exemplo existem falhas a serem apontadas, mas o que não deve mais acontecer atualmente, é que já não se pode mais promover certas ações, sem se levar em conta todos os aspectos que implicam em suas efetivas conclusões.
Atualmente precisa haver um equilíbrio entre os direitos individuais e coletivos, sob pena de um ou outro ser anulado em função de um interesse maior, e por veses esse interesse maior precisa ser muito bem observado.
Existem discussões de cunho mais radical onde há quem sustente que uma pessoa deveria ter direito de falar o que quisesse, e de até poder escolher a quem atender ou não atender em sua casa, empresa e até mesmo país.
Ocorre que em algumas nações, alguns processos históricos foram dando formas a certos entendimentos, tais como os que dizem que é errado roubar, matar e discriminar.
É óbvio que cada caso é um caso, onde para cada uma dessas situações existem atenuantes apelativos, até porquê, as nações mais evoluídas costumam ter a inclinação de também garantir o amplo direito a defesa.
A questão é que por mais que se tenha em mente a correção de uma eventual injustiça, as leis que nos regem, em função de seu caráter impositivo, podem muitas vezes soarem como um ato de injustiça ou opressão.
Imagine que você tem um comércio e exista uma lei que te obriga a dar acessibilidade em sua área pública, isto é obviamente uma imposição com a qual você vai ter que lidar, e os americanos possuem leis específicas para isto dentro da própria ADA.
Para diminuir esses sentimentos de injustiça é que muitas ações são feitas no mundo inteiro para dialogar com as empresas e até mesmo com os estados, no sentido de mostrar que esse tipo de gasto, na verdade pode e deve ser encarado como um investimento, uma oportunidade de se ter mais inclusão, e por conseguinte, economias mais fortes e robustas, com cidadãos habilitados e ativos na sociedade e portanto, colaborando com ela.
A ADA também prevê politicas de distribuição de renda mínima para pessoas com deficiências, sendo muitas vezes complementadas por instituições que atuam na qualificação e treinamento desse publico, uma ajuda financeira que tem prazo máximo de 5 anos, no caso dessas instituições, mas que na maioria das vezes não excede os 12 meses, tendo sido este o tempo médio que eles tem levado para incluir as pessoas no mercado formal de trabalho, e assim, não necessitando mais dos auxílios financeiros.
Já o sistema de trabalho nos EUA seguem carecendo de alguns ajustes, os americanos trabalhadores com deficiências ainda possuem rendimentos inferiores quando comparados aos de uma pessoa sem deficiências, uma discrepância que certamente não está levando em conta o mérito desses profissionais, e sim, o fato de serem PCDs.
Economia inclusiva
Imagino que talvez essa dependência do estado não esteja te agradando de algum modo.
Pois é, mas sinto em dizer que tem sido assim desde sempre, e ao que tudo indica ainda não se vislumbra no horizonte algo que mude esta relação de dependência e, por mais que isso possa ser desagradável para muita gente, as nações são o fruto de seu tempo e em cada momento da humanidade, foram elas, as grandes impulsionadoras do mundo, edificando pirâmides, promovendo descobertas marítimas e odisseias no espaço, ou seja, gostando ou não, precisamos participar em alguma ordem dessas interlocuções.
Sempre houve interações de setores da sociedade no sentido de fazer valer seus interesses, o que nem sempre se traduziu em um bem maior para as pessoas, e hoje, no embate democrático em que vivemos, várias nações criaram diversos mecanismos, repletos de seus pesos e contrapesos, que visam impedir que os mais fortes e poderosos, que são minoria quantitativa, imponham suas vontades a grande maioria.
Este é um jogo repleto de nuances, que por vezes podem nos confundir pois, quando falamos tanto de auxílio as minorias, estamos falando na verdade de setores da sociedade que por alguma razão se encontram em situação de fragilidade, o que vai sempre se traduzir em embates onde certamente essas minorias não venceriam.
Essas aparentes injustiças corriqueiramente costumam ser amenizadas pelas nações com mecanismos como as politicas compensatórias, quer dizer, um governo qualquer monta um plano econômico , e como já é sabido, vão haver camadas da sociedade que por alguma razão , não vão conseguir ser alcançadas, daí, surgem as politicas de distribuição de renda, cotas e isenção de impostos e etc, politicas essas que mesmo visando remediar uma situação injusta, podem soar para alguns como sendo imposição, e doravante, igualmente injustas.
No mundo atual, quem souber capitalizar melhor esses sentimentos, vai se dar muito bem nos embates políticos e acender ao poder, e não se engane, aquele dono de Bigteck do qual você talvez seja fã, também vai procurar nas esferas públicas, o auxílio para fazer valer seus interesses, idêntico a qualquer um de nós.
Tudo é uma questão de vitrine e representatividade, e essa é uma parte fundamental do jogo democrático, onde os setores da sociedade escolhem os que melhor representam seus interesses, ou, pelo menos, assim deveria ser.
Ao passo que o novo presidente americano assinava seus decretos acabando com as politicas de inclusão, ele anunciava a destinação de meio trilhão de dólares em investimento nas tecnologias de inteligência artificial, fato que certamente agradou os que tem muito, e justamente aqueles que se vangloriam de sua autonomia e méritos, todos eles lá na posse, de pires na mão, literalmente tirando de quem tem bem menos ou quase nada.
É claro que por traz dessa decisão existe um calculo baseado em proteção e expansão de território, mas não deixa de me causar especie, ver tanta gente graúda defender com unhas e dentes, os seus próprios interesses, tendo como alvo, setores tão frágeis da sociedade, principalmente quando comparado com suas capacidades econômicas e influencia no mundo contemporâneo.
Eles dizem que sertos seguimentos possuem direitos demais, como se os deveres já não estivessem subintendidos em cada direito conqustado.
Um jogo casuistico que sempre da a intender que esses direitos sejam um peso para as nações, mas na hora de sacar bilhoes em recursos publicos, esses trilhonarios não exitam um minuto sequer, mais que isto, ficam todos lá, bem perto do estado que eles vivem dando a intender que não dependem ou precisam.
As oportunidades sempre vem.
O fato de a ADA ter anexado a WCAG em seu escopo de acessibilidade digital em 2024, é um sinal de que podemos adotar padrões internacionais, ganhando tempo sem se preocupar com a elaboração de critérios próprios, apesar de que existem países que trabalham com critérios locais, o Japão por exemplo, possui critérios digitais bem mais exigentes que os da WCAG, o que não impediu de termos uma acessibilidade irrisória com a Nintendo, ao passo que com Sony e Microsoft os níveis de acessibilidade já estão bem mais a contento do que jamais foram.
Contudo imagino que com as demissões em cadeia que vão aparecer em função da extinção dos setores ligados as politicas de inclusão, esses níveis na acessibilidade digital americana, talvez tenham algum abalo, tanto nos serviços governamentais quanto na iniciativa privada, já que varias empresas ligadas a tecnologia podem aderir a esta triste mentalidade, i isso sim pode chegar no Brasil, já que a grande maioria dessas empresas atuam em nosso território.
O mercado nesse sentido possivelmente pode oferecer opções e nós que atuamos com a acessibilidade digital precisamos monitorar essas ações com ainda mais atenção, este blog tem incentivado ao longo desses mais de dez anos o conhecimento das alternativas aos sistemas dominantes, para com isto, termos mais e maiores trabalhos em torno da acessibilidade neles, visto que, a acessibilidade tem muito a ver com opções e ficar refém desse ou daquele sistema, definitivamente não é inclusão.
O Brasil também possui seu respaldo jurídico no Estatuto das Pessoas com Deficiências, um documento fundamental para nós, mais que carece ainda de algumas regulamentações importantes, como o seu artigo 63, que versa sobre a acessibilidade digital, este é um debate que precisa acontecer o quanto antes e que particularmente tenho muita esperança, o artigo 63 tem tudo para cer uma especie de LGPD da acessibilidade e com isso, trazer ainda mais oportunidades de atuação para todos nós, independente de sermos ou não pessoas com deficiências.
Precisamos também tomar muito cuidado com nossas presenças online, qualificar ainda mais nosso potencial profissional, sem esquecer de melhorar nossa capacidade de dialogar com os que pensam diferente de nós, nossa representatividade vem sendo cada vez mais abalada, e certamente uma boa autocritica não faria mal a ninguém, haja vista as grandes abstenções nas urnas, tanto aqui no Brasil, quanto lá nos EUA.
No momento delicado em que chegamos, nunca se fez tão necessário aprimorarmos nossas capacidades de nos reinventar e continuar seguindo nessa missão de incluir, uma missão que é acima de tudo um ato de convencimento, e que não pode seguir sem as boas praticas fundamentadas em ouvir e dialogar com o outro.
Se as coisas piorarem, seremos forçados a sermos melhores e mais criativos e isso no fundo é uma coisa boa, muito boa mesmo.
E por ultimo mas não menos importante, quero dizer que este blog teve acesso ao decreto e em breve postarei aqui o documento com sua devida tradução e comentarios, bem como, o que já estou recebendo dos EUA com relação aos cortes e demissões.
Se liguem no TTS, vem mais por aí.
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